sábado, 26 de novembro de 2016




A epistemologia de Permênides

O desvelar do fazer filosóficoParmênides foi um filósofo épico filho de Piros e nascido em Eléia, atual Vélia na Itália Meredional, mas, sobre seu nascimento e idade ainda pairam muitas dúvidas. Para Diógenes de Laércio sua akmé situa-se na 64ª Olimpíada, entre 504 e 500 a. C.. Entretanto, Platão diz que o velho Parmênides, com 65 anos, teria encontrado o jovem Sócrates que em 500 a.C., com 70 anos, seria condenado a morte. Portanto, é provável que o encontro possa ter ocorrido entre 451 e 449 a.C., gerando, com isso, uma divergência de datas. Pela data de Diógenes, o Filósofo, teria 80, e não os 65 dito por Platão, mas se considerarmos que sua akmé deve ter ocorrido em 535 a. C., é possível aceitar o relato platônico. Aceitando o cálculo de Platão para a idade do Eleata, cairia por terra a opinião de que Parmênides teria sido discípulo de Xenófanes. Não excluindo a possibilidade de que ambos, em idade avançada, tenham se encontrado, mas rechaça as dúvidas sobre a origem da “Escola Eleática”. 

De seu poema intitulado "Sobre a Natureza", sobreviveu apenas fragmentos retirados de obras de outros autores. O texto é dividido em duas partes: primeiro, o caminho para encontrar A Deusa e, posteriormente, sua própria fala. Embora escreva em versos, hexâmetro dactílico, é clara a filosoficidade da obra e para aqueles que a questionem, vale lembrar que Platão transformou o diálogo, antes uma simples e comum forma de comunicação em um poderoso meio de transmissão de ideias inquestionavelmente filosóficas. Encontra-se em Parmênides o primeiro registro de um programa para o "Saber", ou seja, a criação de caminhos, métodos, para descobrir a verdade. Neste programa apresentado pela Deusa, alcançada por intermédio da Justiça, há três caminhos, dois praticáveis e opostos e um inteiramente insondável aos mortais. Os primeiros caminhos são o da Alethéia (Verdade/Desvelar), no qual encontra-se a verdade imutável, e da Doxá (Opinião), isto é, as opiniões onde "mortais que nada sabem forjam, bicéfalos"(SANTORO,2011). Já o caminho insondável seria a busca pelo o que não é. Com isso, ao contrapor um percurso que leva ao desvelar da verdade a um com falsas opiniões e sem fé verdadeira, fica-se norteado a forma de pensar e conhecer. Assim sendo, estão lançadas as ideias que servem até hoje como base para boa parte da episteme ocidental e que em Aristóteles alcançariam sua maturidade. 

Os caminhos apreensíveis são baseados no reconhecimento da Necessidade do que existe e na impossibilidade de sua inexistência, consequentemente da negação das mudanças. No roteiro é proposto ao "iluminado" que se instrua "tanto do intrépido coração da Verdade persuasiva quanto das opiniões de mortais em que não há fé verdadeira”(SANTORO,2011). Não basta saber como alcançar a verdade, é imprescindível ser capaz de reconhecer a falsidade. A opinião dos mortais consiste em não reconhecer a impossibilidade de galgar o caminho do não-Ser, causando uma grande confusão. Por isso, um questionamento válido é um dos motivos que levam a ininteligibilidade do caminho do não-Ser, e para respondê-lo precisamos antes compreender as propostas acerca do Ser e não-Ser. Vê-se presente, embora talvez de forma insipiente, nos fragmentos abaixo a explanação de três conceitos canônicos para o "bom pensar": o princípio da não contradição, da identidade e da ontologia. 

Fragmento 2
 1 Pois bem, agora vou eu falar, e tu, prestes atenção ouvindo a palavra
 2 acerca das únicas vias de questionamento que são a pensar:
 3 uma, para o que é e, como tal, não é para não ser, 
 4 é o caminho de persuasão — pois segue pela Verdade —,
 5 outra, para o que não é e, como tal, é preciso não ser,
 6 esta via afirmo-te que é uma trilha inteiramente insondável;
 7 pois nem ao menos se conheceria o não ente, pois não é realizável, 
 8 nem tampouco se diria:

 Fragmento 3 
 ...pois o mesmo é a pensar e a ser.

 Fragmento 8 […]
 11 Assim, ou é necessário existir totalmente ou de modo algum.
 12 Tampouco que do ente, nunca força de Fé permitirá
 13 surgir algo para além do mesmo; por isso Justiça nem vir a ser
 14 nem sucumbir deixa, afrouxando amarras,
 15 mas mantém; a decisão sobre tais está nisto:
 16 é ou não é. Mas já está decidido, por Necessidade, […]
 (SANTORO, 2011, p. 105; 111)

Assim, está dado o princípio da identidade, o Ser é o Ser, o da não contradição, se o Ser é seu contrário obrigatoriamente não é, e a Ontologia, os questionamentos sobre o Ser. Podemos com isso inferir, segundo o fragmento 8, que o que pode ser pensado e dito deve existir necessariamente e que o que não pode ser pensado nem dito não pode existir, ou seja, o Ser é e o não-Ser não é. Além disso, fica subentendido uma visão monista-idealista da existência, na qual a divisão entre a realidade concreta e o pensamento abstrato é inexistente. Logo, para que possamos dizer que algo É devemos ser capazes de criá-lo em nossa mente, de forma que nem tudo o que pensamos é passível de comprovação empírica, mas tudo que experienciamos obrigatoriamente tem que poder ser idealizado. 

Dada a impossibilidade de termos a experiência sensível do Nada, por motivos óbvios, e também de pensá-lo, pois se o pensarmos ele deixaria de não-Ser e se tornaria um Ser que existe no pensamento, então é completamente impossível conhecermos qualquer informação do não-Ser. A partir do momento em que é criado seu monismo idealista, no qual é preciso abandonar as experiências sensíveis para poder desvelar a verdade, a realidade única e imutável é uma saída necessária. Se explicamos a realidade a partir das experiências sensíveis e, levando em consideração que o mundo sensível é constantemente alterado, teremos como consequência uma realidade mutável, onde o Ser não é, mas está sendo. Para Heráclito uma ideia plausível, para Parmênides uma loucura da multidão. Pois o Ser é e o não-Ser não é, justamente esse "devaneio" compartilhado é onde reside o caminho da Doxá, isto é, o caminho dos mortais de duas cabeças que creêm na mutabilidade da realidade. Essa crença mistura o Ser e o não-Ser, o que de acordo com o fragmento 8 é algo absurdo, pois tudo que há É ou não-É. 

O Ser só existe de forma plena, completa, negando assim as transformações. É importante frisar que o Poeta não nega a captação por meio dos sentidos das transformações nos seres, mas sim nos mostra o quão absurda ela é à luz da razão. Dessa forma, o quão falho são esses sentidos que nos fazem acreditar em mentiras, já que a mudança não passa de ilusão, uma crença sem fé verdadeira. Mas afinal, o que é a mudança? O que é o Devir? Mudança, é quando um Ser deixou de Ser o que era, mas ainda não se tornou o que virá a ser, e o devir, a noção de Presente, o vir a ser é exatamente isso, uma ruptura no Ser. Uma aberração lógica que fere seus recém descobertos princípios de identidade e de não contradição. Um átimo que há a conjunção do Ser e do não-Ser, jamais poderia ser aceito pelo, segundo Nietzsche, Filósofo feito de gelo. 

Resta agora a via da Alethéia que, segundo o autor, é a via em que será desvelado a verdade imutável. Que verdade seria esta? Ora, nada mais que o reconhecimento da sentença "O Ser é e o não-Ser não é". Em outras palavras, a verdade consiste em reconhecer a Unidade e Imutabilidade da realidade, ou seja, que a realidade É e não um simples vir a ser. O respeito a seus princípios de identidade e não contradição vem como consequência necessária da plena apreensão de seu "axioma". Independentemente da validade lógica ou substantiva da teoria de Parmênides, a coerência de seus argumentos é perfeita. Por isso torna-se um real opositor à "Teoria de conhecimento" proposta por Heráclito, fazendo com que boa parte da discussão filosófica grega seja uma tentativa de escapar da ideia de Heráclito e do monismo parmenidiano. A grande importância dos Filósofos Épicos e Trágicos consiste nem tanto em suas respostas e explicações – embora pouco ou nenhum avanço filosófico tenha havido de seu tempo até hoje, e que com certeza não sejamos mais sábios que Parmênides, Sócrates ou Aristóteles –, mas em seu grande poder criador, de originadores da filosofia, e nos questionamentos, ao proporem questões que até hoje carecem de uma resposta definitiva.


(Trabalho em grupo da disciplina Filosofia Antiga 1, do Professor Fernando Santoro, feito pelos alunos Jefferson Lopes, Daniel Abreu, Aline Mota, Joyce Brandão, Jonathan e Suelen)


sexta-feira, 28 de outubro de 2016













POEMAS ÉPICOS - O professor Fernando Santoro tem se dedicado a decifrar os diversos aspectos do poema de Parmenides. A narrativa e os fundamentos que fazem dos fragmentos do poema de Parmenides uma das obras mais discutidas da filosofia antiga. Um dos aspectos mais curiosos e relevantes abordados pelo professor é a influência das obras A Ilíada e Odisseia, de Homero, os dois principais poemas épicos da Grécia antiga. A influência está na narrativa, na forma e no tom épico dos poemas. Sendo assim, para um perfeito entendimento das obras dos poetas pré-socráticos, é preciso que seja feita a leitura dos poemas de Homero.
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A Ilíada é uma narrativa sobre a guerra de Troia e conta os fatos heroicos do guerreiro Aquiles e sua luta contra Agamenon, o comandante do exército troiano. Odisseia é uma sequência do poema anterior e narra a volta para casa do heroi Odisseu (ou Ulysses), depois de terminada a guerra de Troia. Odisseu leva dez anos para voltar de Troia até sua casa em Ítaca e, nesse período, vive mil aventuras fantásticas que são descritas pelo poema.  
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quinta-feira, 20 de outubro de 2016





FILÓSOFO ÉPICO - Xenófanes criticava a representação dos deuses com aspectos físicos e comportamentais parecidos com seres humanos ou mesmo animais. Para ele os deuses eram uma outra coisa. Talvez algo que o pensamento do homem fosse incapaz de imaginar. 
Veja a seguir dois fragmentos da poesia épica de Xenófanes de Colofão.


ELEGIAS (DK 21 B 1-9) 

1. ATENEU, X, 462 C. 

Agora o chão da casa está limpo, as mãos de todos 
e as taças; um cinge as cabeças com guirlandas de flores, 
outro oferece odorante mirra numa salva; 
plena de alegria, ergue-se uma cratera, 
à mão está outro vinho, que promete jamais falar, 
vinho doce, nas jarras cheirando a flor; 
pelo meio perpassa sagrado aroma de incenso, 
fresca é a água, agradável e pura; 
ao lado estão pães tostados e suntuosa mesa 
carregada de queijo e espesso mel; 
no centro está um altar todo recoberto de flores, 
canto e graça envolvem a casa. 
É preciso que alegres os homens primeiro cantem os deuses 
com mitos piedosos e palavras puras. 
Depois de verter libações e pedir forças para realizar 
o que é justo — isto é que vem em primeiro lugar —, 
não é excesso beber quanto te permita chegar 
à casa sem guia, se não fores muito idoso. 
E de louvar-se o homem que, bebendo, revela atos nobres 
como a memória que tem e o desejo de virtude, 
sem nada falar de titãs, nem de gigantes, 
nem de centauros, ficções criadas pelos antigos, 
ou de lutas civis violentas, nas quais nada há de útil. 
Ter sempre veneração pelos deuses, isto é bom. 





 2. ATENEU, X, 413 F. 

Mas se alguém obtivesse a vitória, ou pela rapidez dos pés, 
ou no pentatlo, lá onde está o recinto de Zeus 
perto das correntes do Pisa em Olímpia, ou na luta, 
ou mesmo no penoso embate do pugilato, 
ou na rude disputa a que chamam pancrácio, 
os cidadãos o veriam mais ilustre, 
obteria nos jogos lugar de honra visível a todos, 
receberia alimento vindo das reservas públicas 
dado pela cidade e também dons que seriam seu tesouro. 
Ainda que fosse com cavalos, tudo isso lhe caberia, 
embora não fosse digno como eu, pois mais que a força física 
de homens e de cavalos vale minha sabedoria. 
Ora, muito sem razão é esse costume, nem justo 
é preferir a força física à boa sabedoria. 
Pois nem havendo entre o povo um bom pugilista, 
nem havendo um bom no pentatlo, nem na luta 
ou pela rapidez dos pés, que mais que a força física 
merece honra entre as ações dos homens nos jogos, 
não é por isso que a cidade viveria em maior ordem. 
Pequeno motivo de gozo teria a cidade, 
se alguém, competindo, vencesse às margens do Pisa, 
pois isso não enche os celeiros da cidade.



domingo, 18 de setembro de 2016

Rede de Filosofia Antiga





O Laboratório Ousia de Filosofia Antiga, coordenado pelo Professor Fernando Santoro, no IFCS, agora é integrante da Rede de Filosofia Antiga e vai participar da videoconferência de inauguração com um ponto de transmissão e recepção no dia 28 de setembro, às 14 horas, horário de Brasília. Na ocasião o Dr. Lucas Angioni, da UniCamp, vai fazer uma conferência que terá como tema "A metafísica de Aristóteles: categorias, prioridade e causalidade." Que tal? Todos os alunos e pesquisadores estão convidados. O Professor Fernando Santoro é um dos integrantes da Comissão Científica responsável pelo projeto. O ponto de transmissão será na Sala 325-D, do IFCS.

A Rede de Filosofia Antiga é uma iniciativa do Departamento de Filosofia, da Universidade de Brasília, e tem por objetivo integrar nacionalmente todos os grupos de estudo e pesquisa em Filosofia Antiga. Através da internet serão apresentados seminários e palestras, com transmissão ao vivo por um canal exclusivo do Youtube, que pode ser acessado AQUI.

A Rede de Filosofia Antiga (REFA) traduz o resultado consolidado das crescentes relações institucionais entre os principais grupos de pesquisa em filosofia antiga no Brasil. O objetivo é o de potencializar o debate em escala nacional, utilizando para isso as ferramentas de comunicação à distância. Pesquisadores e grupos de pesquisa que formam o network participam de seminários, transmitidos ao vivo pela WEB, com periodicidade e calendário definidos pela Comissão Científica.

O seminário, ministrado presencialmente na Cátedra UNESCO Archai do PPG Metafísica da UnB, será transmitido pelo Youtube. A Rede é um projeto in fieri, portanto os grupos de pesquisa que desejem integrar a Rede e quiserem participar desde suas sedes da discussão que se seguirá ao seminário, podem entrar em contato com o coordenador Gabriele Cornelli através do email gabriele.cornelli@gmail.com 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Um poema que é um tratado filosófico




Parmênides nasceu em Eleia, uma cidade itálica fundada na segunda grande expansão colonial grega que levou a língua e a cultura homéricas para todo o Egeu e Mediterrâneo Ocidental. O Filósofo viveu no fim do sexto século antes de Cristo. Há notícias de que se encontrou e talvez tenha sido discípulo de Xenófanes de Colofão que, em seus poemas sapienciais, criticava o antropomorfismo dos deuses tal como apareciam nas poesias tradicionais, de Homero e Hesíodo. Esta filiação escolar parece, no entanto, ser muito mais devida a uma proximidade doutrinal considerada e propagada pela Academia de Platão do que a fatos históricos. Parmênides vive ainda imerso na cultura épica e dela extrai, primeiro, a métrica de seu poema, o hexâmetro dactílico, o que mostra que o poema foi elaborado tendo em vista o desempenho de sua transmissão oral e em consonância com tal tradição. Além disso, também extrai conteúdos dessa tradição épica, como elementos de sua teologia. A deusa díke, a Justiça com seu tom exortativo, e a imagem do portal da Noite e do Dia, por exemplo, já estão presentes nos poemas de Hesíodo. Vários deuses dos catálogos épicos figuram no poema, e desempenham funções importantes. O Poema incorpora até mesmo passagens textuais mais extensas dessa tradição. Como no fragmento B8: os versos em que a Necessidade prende o ente em sua circunstância são um verdadeiro palimpsesto dos versos homéricos sobre as amarras que prendem Ulisses no mastro do navio a fim de suportar o canto de duas cabeças das sereias (Odisseia, XII, 158-164). Parmênides, segundo a inscrição em sua homenagem encontrada sobre uma estela em Vélia (a cidade romana que se instaura em Eleia e subsiste até hoje), poderia ter sido de uma família ou de um clã de médicos: “filho do Curador (Apolo)”. 

ΠΑ[Ρ]ΜΕΝΕΙΔΗΣ ΠΥΡΗΤΟΣ ΟΥΛΙΑΔΗΣ ΦΥΣΙΚΟΣ 

PA[R]MENIDES FISICO FILHO DE PIRETO DA FAMILIA DO CURADOR 

Nesse contexto ainda forte da cultura tradicional homérica, surgem novos discursos sapienciais que buscam o conhecimento pela contemplação do procedimento autônomo das coisas naturais. São os primeiros filósofos, que Aristóteles denominou physikói, porque tratavam Da Natureza, perì phý seos. Parmênides insere-se, sem dúvida, entre esses pensadores originários, não só porque o título de seu poema já o diz, mas sobretudo pela chamada segunda parte do poema, que trata da geração das coisas vivas, dos astros celestes e coisas tais. Mas o discurso de Parmênides traz uma característica radicalmente inaugural para a história dos textos sapienciais: ele toma o ente – tò eón – como o tema central e universal para compreender a natureza do real. Ele instaura o tema primeiro da filosofia ocidental: a relação entre ser e pensar. O problema da verdade aparece não mais circunstancialmente na honestidade ou na venerabilidade do testemunho, mas na relação direta entre ser, pensar e dizer, eixo universal do conhecimento da realidade. Parmênides inaugura a filosofia como ontologia. Por isso, é o filósofo que lança, em palavras e pensamentos, as bases que sempre voltarão a servir de questionamento ao longo de toda a metafísica ocidental. Assim, o Poema é tanto uma fonte inesgotável de pesamento, como também a soleira monumental sempre firme e presente do edifício filosófico de nossa civilização.

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Leia AQUI os fragmentos do poema de Parmênides.

A vida de Xenófanes







Xenófanes nasceu na cidade de Colofão, na Jônia, em torno de 570 a.C. Foi contemporâneo de Anaximandro, respirou os ares dos filósofos naturalistas da região e, sobretudo, seu pendor pela agonística em torno dos princípios. Com a invasão dos Persas, fugido ou banido, migrou em direção ao ocidente por volta de 545, passando por várias cidades gregas, pela Sicília, pelo sul da Itália, sempre realizando sua atividade de rapsodo. Como rapsodo, interpretava certamente Homero, Hesíodo e também poemas de própria autoria. Pelas suas considerações críticas à épica arcaica se pode imaginar que suas interpretações não fossem somente récitas inspiradas desprovidas de reflexão, tal como Platão caricaturou a atividade dos rapsodos no diálogo Íon . Esteve presente na fundação de Eleia em 540 e muito provavelmente ali manteve intensa atividade intelectual e letiva. Encontrou-se certamente com o jovem Parmênides, mas as notícias de que foi o fundador da Escola Eleata decerto decorrem do desejo de transformar algumas afinidades de prática e doutrina em grandes encontros históricos. De toda forma, a recepção do poeta põe na conta de sua nova teologia, crítica do antropomorfismo de Homero e Hesíodo, a ideia e teoria do Uno, assumida de diversas maneiras pelos filósofos que atuaram em Eleia. Além dos poemas de que nos sobraram fragmentos, também se tem notícia de que escreveu outros poemas épicos, como a Fundação de Colofão e a Fundação de Eleia. Xenófanes viveu mais de noventa anos, conforme seus próprios versos autobiográficos.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Os filósofos épicos



PARMENIDES, XENÓFANES E EMPEDOCLES - O Professor Fernando Santoro vai servir um verdadeiro  banquete filosófico para seus alunos do segundo semestre de 2016. Para a matéria História da Filosofia Antiga I ele vai trabalhar com seus alunos a obra e a vida dos filósofos épicos. É um mundo fascinante de ideias e conceitos que o Professor Santoro conhece muito bem, já que é um estudioso do assunto e até escreveu sobre o tema no livro Filósofos Épicos I: Parmênides e Xenófanes, fragmentos.

O livro com edição do texto grego, revisão e comentários do Professor Santoro está disponível na internet em PDF. Clique AQUI  Já no prefácio do livro Santoro escreve sobre os filósofos poetas, já que o saber advindo de suas ideias surgiu através dos poemas cujos fragmentos nos apresenta uma enorme gama de elementos para reflexões filosóficas.








OS FILÓSOFOS POETAS


A filosofia surge, na Grécia, em meio a um fecundo diálogo e uma calorosa disputa entre valores e formas de conhecimento. Diálogo e disputa que são entretidos com as formas tradicionais de educar e conhecer, sobretudo a poesia épica, mas também a poesia lírica, a órfica, a trágica, as tradições oraculares e outras formas de expressão e de linguagem. Os primeiros filósofos nascem diretamente destas tradições discursivas, e muitas vezes mantêm elementos formais e também conteúdos similares a esta origem – ao mesmo tempo em que frequentemente assumem uma posição de distanciamento e confronto face às mesmas. Uma longa tradição, que já vem desde os comentadores alexandrinos, passando pela edição de Stephanus da Poiesis Philosophica (1573) até a grande compilação de filósofos arcaicos de Friedrich Wilhelm August Mullach Fragmenta Philosophorum Graecorum (1860) seguida da coletânea de Hermann Diels Poetarum Philosophorum Fragmenta (1901), vinculou fortemente os primeiros filósofos a suas origens poéticas, tanto que os denominava “Poetas Filósofos”. Esta denominação tinha em geral, porém, uma conotação pejorativa, de viés positivista: tratavam-se ainda de protofilósofos, pensadores que falavam por meio de alegorias, porque não teriam ainda desenvolvido a linguagem madura da filosofia e da ciência. Somente com a obra maior de Hermann Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, a partir do início do séc. XX com contínuas revisões feitas por ele e Walter Kranz até 1952, estes filósofos passaram a ser denominados canonicamente como “filósofos pré-socráticos”. Contudo, o tom de classificá-los com aspirantes à filosofia não se alterou, visto que ser anterior Sócrates ainda é visto como anterior ao paradigma clássico da filosofia. Mas ressoa ainda, por todo o séc. XX, a relação que Nietzsche lhes imprimiu com a poesia trágica, desfazendo o preconceito positivista que vê a ciência como uma superação dos mitos e da poesia. De fato, a filosofia dos primeiros filósofos faz parte de uma grande transformação criativa da linguagem, da cultura, das instituições que se interpenetram e influenciam. A filosofia não supera a poesia, mas concorre entre as diversas formas de pensamento e expressão para o diverso desempenho criador do conhecimento, da cultura e da civilização. A relação da filosofia com a poesia, na Magna Grécia dos séc. VI e V a.C., não é somente uma relação exterior, de recíproca influência e de empréstimos de recursos expressivos ou formatos discursivos. Com efeito, a filosofia surge originalmente, como um gênero de poesia sapiencial, e merece ser pensada neste limiar em que confluem literatura, retórica, pensamento e conhecimento. Com os filósofos épicos exploramos as potencialidades criativas deste limiar, a partir da ecdótica dos textos gregos e das traduções, abrindo caminho para uma análise discursiva de suas formas originais de expressão e, principalmente, para a discussão filosófica dos seus conteúdos e temas. Chamamos de ‘épicos’, filósofos como Xenófanes, Parmênides e Empédocles. Filósofos que compuseram, entre suas obras, poemas/tratados sobre a natureza ( perì phýseos ). São épicos segundo uma abordagem que diz respeito ao estatuto das formas e conteúdos da filosofia em seus primórdios, face aos demais discursos sapienciais e formas de expressão coetâneos, particularmente os poemas de tradição homérica. Destaquemos quatro aspectos dos Filósofos Épicos, es-boçados aqui cada um em separado, como um programa de investigação. Cada um delimita um conjunto que aproxima de seus textos outros textos de formas afins dentro do campo da literatura sapiencial grega, criando zonas de fronteira que se cruzam sem se sobrepor.  

A determinação como “physikói” e “physiólogoi” 

Aristóteles, no primeiro livro da Metafísica (982a), nomeia os seus predecessores, estes que trataram dos primeiros princípios e causas, simplesmente, de “ sophói ” ou “ philóso- phoi ”, diferenciando-os dos poetas, que ele chama também de “ theólogoi ”. No primeiro livro de sua Física, Aristóteles ocupa-se de discutir as principais teses ontológicas dos eleatas, para estabelecer o seu próprio conceito de phýsis (natureza) como princípio de movimento. Assim, o Estagirita estabelece a perspectiva para abordar Xenófanes e Parmênides como filósofos que tratam da natureza. O título que seus tratados irão(posteriormente) receber: “ Acerca da Natureza ” ( Perì Phýseos deve-se a esta perspectiva, a qual também vai dirigir a obra que, por muito tempo, foi o lugar de divulgação destes trata-dos: a compilação, empreendida por Teofrasto, das opiniões dos filósofos da natureza “ Physikôn Dóxai ”. O problema aqui pode abrir-se por várias portas: uma primeira é em que medida a abordagem do tema dos princípios como um problema que diz respeito à phýsis é um marco de origem da filosofia; outra é acerca da determinação do próprio sentido de natureza, e sua dependência da perspectiva aristotélica. 

A discussão acerca do método 

Xenófanes, particularmente no fragmento DK 21 B 34, e Parmênides na primeira parte do poema (os fragmentos DK28 B1 até B6, pelo menos) têm como objeto de reflexão o próprio conhecimento, seus caminhos, desvios e limitações. Assim, seus tratados acerca da natureza englobam também o que poderíamos considerar como discussões preliminares metodológicas acerca do estatuto da verdade e das opiniões. Talvez essa seja uma das principais características da nascente filosofia: não apenas buscar a expressão de verdades, mas refletir sobre a própria condição da verdade. Isso os diferencia dos discursos sapienciais tradicionais, tais como na poesia épica de Hesíodo e Homero, mesmo quando esta versa a respeito de sua inspiração pelas musas. A reflexão sobre o estatuto do conhecimento diferencia-os também dos contextos rituais de revelação e interpretação, tal como os oráculos. Por outro lado, Parmênides e Xenófanes não opõem ao verdadeiro o falso, mas as opiniões. Isso aponta para uma diferença em relação às compreensões clássicas de verdade como adequação, que se vão consolidar em Platão e, principalmente, na discussão aristotélica sobre o discurso apofânti-co (declarativo, demonstrativo). Com relação ao estatuto do conhecimento, Xenófanes, Parmênides e Empédocles estão na fronteira de um mundo em transformação, e conservam de modo rico e refletido elementos das experiências tradicionais de inspiração e revelação ao mesmo tempo em que apresentam um ímpeto de investigação da natureza e um cuidado de explicação dos fenômenos que já os projeta como homens de ciência e filosofia. 

Cosmologia, teologia e outras ciências 

Os tratados acerca da natureza de Xenófanes e Parmênides expõem uma visão do cosmos com aspectos astronômicos, geográficos, biológicos etc. de particular interesse para a história das ciências e para uma reflexãoepistemológica em geral. A compreensão desta visão do cosmos é também decisiva para a reflexão sobre o sentido da chamada “segunda parte” do Poema de Parmênides e para a consideração do estatuto do conhecimento humano e das “opiniões dos mortais”. Neste contexto, também é significativo o problema do estatuto ontológico dos deuses, seu lugar na cosmovisão dos poetas filósofos, e a crítica a como os homens os compreendem e se relacionam com eles – que aparece não apenas nos fragmentos dos tratados acerca da natureza dos pré-socráticos em geral, mas também particularmente nos fragmentos satíricos ( Sílloi ) de Xenófanes. Convivem, mas não sem conflitos, discursos teogônicos e cosmogônicos. Ao mesmo tempo em que podemos vislumbrar catálogos de deuses, encontramos a crítica às concepções teológicas tradicionais, sobretudo quanto ao seu antropomorfismo. Esta crítica está no coração das considerações sobre a opinião, a nomeação, o engano e tudo o que se pode enquadrar dentro da perspectiva de uma experiência humana repleta de limitações. Neste sentido, os textos também são potencialmente ricos de uma antropologia filosófica.

(Fernando Santoro)

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Os amantes de Platão

















PLATÃO É POP - Numa de suas intervenções no VI Simpósio Internacional OUSIA de Estudos Clássicos o Professor Fernando Santoro nos lembrou que o verdadeiro nome de Platão era Aristocles. O filósofo era também um pugilista e adotou o nome de Platão por que esta palavra significa "espadaúdo", "que tem ombros largos". O Professor Santoro então contou que, além de todas as afinidades intelectuais e filosóficas,  ele também tem um algo mais em comum com o lendário filósofo grego. O professor também tem o apelido de um lutador, já que é conhecido em certas rodas como Maguila. Que tal?
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Durante quatro dias o IFCS deu um profundo mergulho nas ideias, pensamentos e vida de Platão, que dividiu com o poeta Homero o tema de discussão exigido para o Simpósio: "Platão e Homero: Poesia e Filosofia". O tema suscitou trabalhos muito interessantes dos pensadores brasileiros e estrangeiros e movimentou o IFCS nesses tempos pré-olímpicos. Para todos o resultado foi um aprendizado gratificante e construtivo. 
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Os textos dos trabalhos apresentados no Simpósio serão publicados em breve na revista OUSIA, do Departamento de Filosofia Antiga.
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Simplesmente Emmanuelle









A VERSÃO FRANCESA - O Ulysses de Platão ou o uso provocante da figura homérica. Com esse ponto de partida a professora  da Universidade de Lorraine, na França, Emmanuelle Jouët-Pastré apresentou um dos mais originais e bem elaborados trabalhos do Simpósio. Usando Hipias Menor e A República como referências Mme Jouët-Pastré mostrou como Sócrates propõe uma leitura provocante das aventuras de Ulysses na Ilíada e na Odisséia. Parece que em determinadas citações Sócrates busca desconstruir a figura do heroi. Ao citar a máxima platônica de que "nenhum homem faz o mal voluntariamente" a palestra recebeu uma intervenção da professora da PUC Luisa Buarque, que questionou o momento em que esse tópico foi colocado. A assunto rendeu uma boa discussão o que deixou ainda mais interessante o trabalho da Professora Emmanuelle.


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Considerações sobre a Apologia e a Republica



 












A POESIA EM PLATÃO - Aquiles como exemplo e contra-exemplo. A Professora Luisa Buarque apresentou um trabalho que mostrou alguns usos que o Sócrates platônico faz da figura de Aquiles tomando como exemplo duas citações homéricas, encontradas em Apologia e República respectivamente. Se nos dois casos o heroi épico é utilizado como referência comparativa, essas duas comparações, entretanto, funcionam de modos bem diversos. Na primeira delas, Aquiles serve de modelo exemplar de conduta, enquanto que na segunda suas palavras precisam ser subvertidas e recontextualizadas para que possam ser empregadas pelo filósofo.  




Convidados especiais
















TODAS AS LÍNGUAS - O espanhol Alberto Bernabé da Universidade de Madrid; os italianos Franco Tabatonni, Giovani Casertanno e Laura Candiotto; o canadense, radicado na França, onde leciona na Faculdade de Paris-Nanterre Luc Brisson; os franceses Luca Pitteloud e Emmanuelle Jouët-Pastré. As ideias de Platão foram discutidas em diversas línguas, sem esquecer as devidas citações em grego e a opção pelo inglês quando essa parecia ser a opção mais viável de comunicação. Mas, como quem não se comunica se trumbica, todos se entenderam perfeitamente no que diz respeito as traduções de suas ideias. E se desentenderam devidamente quando interpretações divergentes surgiam a partir de alguma colocação. 

Carolina Araújo e seu Communis opinio










QUEM TEM MEDO DE CAROLINA ARAÚJO? - Ela é conhecida e respeitada por seus alunos pela intensidade com que vive sua paixão pela Filosofia Antiga. Suas aulas são disputadas e cultuadas. Nos corredores do IFCS alunos elogiam seu conhecimento e desenvoltura ao lidar com o universo dos gregos.   O fato é que a professora Carolina Araújo carrega em torno de si um toque de prima-donna da filosofia que lhe cai muito bem.  O seu trabalho no VI Simpósio Internacional Ousia teve o efeito de um grande desfile da Beija Flor num domingo de carnaval. "Meu trabalho defende a tese de que Platão e Homero são legisladores e é esse o único solo comum que faz com que possa haver uma querela entre filosofia e poesia", disse ela, ao apresentar um trabalho que não deixou pedra sobre pedra, como muito bem definiu um de seus alunos. Carolina é uma pensadora de opiniões bem definidas. Durante a apresentação do trabalho do Professor da USP Adriano Machado Ribeiro "A mimese de Homero em Platão" Carolina discordou do modo como o professor interpretou o livro X de A República. O embate entre os dois, na defesa de seus pontos de vista, foi um dos pontos altos do Simpósio.    



Álbum de lembranças