domingo, 17 de maio de 2015

A teoria do prazer




Para Aristóteles, o prazer em sua constituição ontológica é semelhante à visão, como uma atividade acabada por toda a sua duração. Completa (teléia), indivisível, e não um movimento para vir a ser. Por isso a importância de refutar a tese platônica do prazer como repleção, retomada por Espeusipo como movimento ou geração. Aristóteles chega a dizer que sendo instantâneo o prazer poderia subsistir até fora do tempo – como na atividade perfeita dos deuses!

Mas Aristóteles tem dificuldade de aprender exatamente a constituição da completude do prazer, de modo que vai apresentar duas definições diferentes: uma primeira, na primeira redação da Ética a Eudemo, e uma segunda, na redação definitiva da teoria. As duas, porém, são conservadas na Ética a Nicômaco, de modo que não podemos afirmar categoricamente que a segunda supere por completo a primeira. As duas merecem ser consideradas.

O prazer é uma atividade desimpedida de uma disposição conforme a natureza.

Nesta primeira definição, o prazer é uma atividade (enérgeia), e portanto uma atualidade completa, e não um processo para tornar-se ou gerar algo. Duas características importantes a qualificam. Primeiro, a conformidade a disposição natural: esta condicionante é importantíssima para distinguir os prazeres conforme a natureza do homem virtuoso, dos prazeres conforme outras naturezas, e para não caracterizar como prazeres reais e sadios os que venham contra a natureza.

Esta ligação do prazer com as disposições naturais também fundamenta a distinção que Aristóteles faz entre prazeres próprios a determinada atividade e os prazeres que lhe estranhos e que funcionam não propriamente como prazeres, mas como obstáculos e desvios de atenção. Estes não são prazeres conforme a natureza daquela atividade. Natureza significa em todos esses casos uma tendência própria, uma índole, um pendor, seja da atividade, seja do agente.

A segunda característica é o eixo de toda essa definição: o ser desimpedido (anempódiston). O desimpedimento resgata a fisiologia cirenaica do prazer, mas com maior acuidade na definição. Equivale ao liso e fluente das compreensões antigas, contra o rugoso, o áspero, o que trava, impede e provoca atrito para a atividade. Mas a atividade desimpedida e fluente não é um movimento como aqueles pensavam, porque a atividade permanece inalterada e completa na sua atualidade efetiva. O desimpedimento também explica como o prazer propicia a melhor realização da atividade, quando ela está em melhores condições de se realizar, sem nenhum obstáculo.

Mas essa definição não satisfaz plenamente o filósofo. Que o prazer esteja relacionado a uma situação completa e efetiva não quer dizer que seja a atividade mesma da qual se diz que é prazerosa. Nem toda atividade conforme a natureza é necessariamente prazerosa quando desimpedida; uma vista que geralmente é agradável quando nítida e desimpedida pode recair, por exemplo, sobre uma cena desagradável. Além do mais, chamamos a atividade de prazerosa, mas seria ela mesma o prazer?
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(Trecho do livro "Arqueologia dos Prazeres", de Fernando Santoro)
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