sexta-feira, 17 de abril de 2015

Ética a Nicomaco, Capitulo 7 do Livro 10




Ao mesmo tempo em que explica a Metafísica, o professor Fernando Santoro se utiliza de trechos da Ética a Nicomaco para melhor ilustrar sua interpretação da filosofia de Aristóteles. O trecho abaixo deve ser lido para a aula do próximo dia 28 de abril



Se a felicidade é atividade conforme à virtude, será razoável que ela esteja também em concordância com a mais alta virtude; e essa será a do que existe de melhor em nós. Quer seja a razão, quer alguma outra coisa esse elemento que julgamos ser o nosso dirigente e guia natural, tornando a seu cargo as coisas nobres e divinas, e quer seja ele mesmo divino, quer apenas o elemento mais divino que existe em nós, sua atividade conforme à virtude que lhe é própria será a perfeita felicidade. Que essa atividade é contemplativa, já o dissemos anteriormente. Ora, isto parece estar de acordo não só com o que muitas vezes asseveramos, mas também com a própria verdade. Porque, em primeiro lugar, essa atividade é a melhor (pois não só é a razão a melhor coisa que existe em nós, como os objetos da razão são os melhores dentre os objetos cognoscíveis); e, em segundo lugar, é a mais contínua, já que a contemplação da verdade pode ser mais contínua do que qualquer outra atividade. E pensamos que a felicidade tem uma mistura de prazer, mas a atividade da sabedoria filosófica é reconhecidamente a mais aprazível das atividades virtuosas; pelo menos, julga-se que o seu cultivo oferece prazeres maravilhosos pela pureza e pela durabilidade, e é de supor que os que sabem passem o seu tempo de maneira mais aprazível do que os que indagam. 

Além disso a auto-suficiência de que falamos deve pertencer principalmente à atividade contemplativa. Porque, embora um filósofo, assim como um homem justo ou o que possui qualquer outra virtude, necessite das coisas indispensáveis à vida, quando está suficientemente provido de coisas dessa espécie o homem justo precisa ter com quem e para com quem agir justamente, e o temperante, o corajoso e cada um dos outros que se encontram no mesmo caso; mas o filósofo, mesmo quando sozinho, pode contemplar a verdade, e tanto melhor o fará quanto mais sábio for. Talvez possa fazê-lo melhor se tiver colaboradores, mas ainda assim é ele o mais auto-suficiente de todos. E essa atividade parece ser a única que é amada por si mesma, pois dela nada decorre além da própria contemplação, ao passo que das atividades práticas sempre tiramos maior ou menor proveito, à parte da ação. 

Além disso, pensa-se que a felicidade depende dos lazeres; porquanto trabalhamos para poder ter momentos de ócio, e fazemos guerra para poder viver em paz. Ora, a atividade das virtudes práticas exerce-se nos assuntos políticos ou militares, mas as ações relativas a esses assuntos não parecem encerrar lazeres. Principalmente as ações guerreiras, pois ninguém escolhe fazer guerra, nem tampouco a provoca, pelo gosto de estar em guerra; e um homem teria a tempera do maior dos assassinos se convertesse os seus amigos em inimigos a fim de provocar batalhas e matanças. Mas a ação do estadista também não encerra lazeres, e — além da ação política em si mesma — visa ao poder e às honras despóticas, ou pelo menos à felicidade para ele próprio e para os seus concidadãos — uma felicidade diferente da ação política, e evidentemente buscada como sendo diferente. Portanto, se entre as ações virtuosas as de índole militar ou política se distinguem pela nobreza e pela grandeza, e estas não encerram lazeres, visam a um fim diferente e não são desejáveis por si mesmas, enquanto a atividade da razão, que é contemplativa, tanto parece ser superior e mais valiosa pela sua seriedade como não visar a nenhum fim além de si mesma e possuir o seu prazer próprio (o qual, por sua vez, intensifica a atividade), e a auto-suficiência, os lazeres, a isenção de fadiga (na medida em que isso é possível ao homem), e todas as demais qualidades que são atribuídas ao homem sumamente feliz são, evidentemente, as que se relacionam com essa atividade, segue-se que essa será a felicidade completa do homem, se ele tiver uma existência completa quanto à duração (pois nenhum dos atributos da felicidade é incompleto). 

Mas uma tal vida é inacessível ao homem, pois não será na medida em que é homem que ele viverá assim, mas na medida em que possui em si algo de divino; e tanto quanto esse elemento é superior à nossa natureza composta, o é também a sua atividade ao exercício da outra espécie de virtude. Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem, a vida conforme à razão é divina em comparação com a vida humana. Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida em que isso for possível, procuremos tornar-nos imortais e envidar todos os esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor. E dir-se-ia, também, que esse elemento é o próprio homem, já que é a sua parte dominante e a melhor dentre as que o compõem. Seria estranho, pois, que não escolhesse a vida do seu próprio ser, mas a de outra coisa. E o que dissemos atrás tem aplicação aqui: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela; e assim, para o homem a vida conforme à razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.

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