sexta-feira, 17 de abril de 2015

Poética, de Aristóteles - Cap. 4



Origem da poesia. Causas. História da poesia trágica e cômica. 

13. Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado. 

14. Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, [as representações de] animais ferozes e [de] cadáveres. Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma delas, [e dirão], por exemplo, "este é tal". Porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão-somente da execução, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie. 

15. Sendo, pois, a imitação própria da nossa natureza (e a harmonia e o ritmo, porque é evidente que os metros são partes do ritmo), os que ao princípio foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram origem à poesia, procedendo desde os mais toscos improvisos. 

16. A poesia tomou diferentes formas, segundo a diversa índole particular [dos poetas]. Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres personagens; e os de mais baixas inclinações voltaram-se para as ações ignóbeis, compondo, estes, vitupérios, e aqueles, hinos e encômios. Não podemos, é certo, citar poemas deste gênero, dos [poetas que viveram] antes de Homero, se bem que, verossimilmente, muitos tenham existido; mas, a começar em Homero, temos o Margites e outros poemas semelhantes, nos quais, por mais apto, se introduziu o metro jâmbico (que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se injuriavam [iámbizon]). De modo que, entre os antigos, uns foram poetas em verso heróico, outros o foram em verso jâmbico. 

17. Mas Homero, tal como foi supremo poeta no gênero sério, pois se distingue não só pela excelência como pela feição dramática das suas imitações, assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia, dramatizando, não o vitupério, mas o ridículo. Na verdade, o Margites tem a mesma analogia com a comédia que têm a Ilíada e a Odisséia com a tragédia. 

18. Vindas à luz a tragédia e a comédia, os poetas, conforme a própria índole os atraía para este ou aquele gênero de poesia, uns, em vez de jambos, escreveram comédias, outros, em lugar de epopéias, compuseram tragédias, por serem estas últimas formas mais estimáveis do que as primeiras. 

19. Examinar, depois, se nas formas trágicas [a poesia austera] atinge ou não atinge a perfeição [do gênero], quer a consideremos em si mesma, quer no que respeita ao espetáculo — isso seria outra questão. 

20. Mas, nascida de um princípio improvisado (tanto a tragédia, como a comédia: a tragédia, dos solistas do ditirambo; a comédia, dos solistas dos cantos fálicos, composições estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades), [a tragédia] pouco a pouco foi evoluindo, à medida que se desenvolvia tudo quanto nela se manifestava; até que, passadas muitas transformações, a tragédia se deteve, logo que atingiu a sua forma natural. Esquilo foi o primeiro que elevou de um a dois o número dos atores, diminuiu a importância do coro e fez do diálogo protagonista. Sófocles introduziu três atores e a cenografia. Quanto à grandeza, tarde adquiriu [a tragédia] o seu alto estilo: [só quando se afastou] dos argumentos breves e da elocução grotesca, [isto é,] do [elemento] satírico. Quanto ao metro, substituiu o tetrâmetro [trocaico] pelo [trímetro] jâmbico. Com efeito, os poetas usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais afins à dança; mas, quando se desenvolveu o diálogo, o engenho natural logo encontrou o metro adequado; pois o jambo é o metro que mais se conforma ao ritmo natural da linguagem corrente: demonstra-o o fato de muitas vezes proferirmos jambos na conversação, e só raramente hexâmetros, quando nos elevamos acima do tom comum.

21. Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja acrescentado a cada parte, consideremos o assunto tratado; muito laborioso seria discorrer sobre tudo isso em pormenor.


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