Origem da poesia. Causas. História da poesia trágica e cômica.
13. Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar
é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o
mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se
comprazem no imitado.
14. Sinal disto é o que acontece na experiência: nós contemplamos com
prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com
repugnância, por exemplo, [as representações de] animais ferozes e [de] cadáveres.
Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos, mas também, igualmente,
aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente, tal é o
motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as, aprendem e discorrem
sobre o que seja cada Uma delas, [e dirão], por exemplo, "este é tal". Porque, se
suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da
imagem, como imitada, mas tão-somente da execução, da cor ou qualquer outra
causa da mesma espécie.
15. Sendo, pois, a imitação própria da nossa natureza (e a harmonia e o
ritmo, porque é evidente que os metros são partes do ritmo), os que ao princípio
foram mais naturalmente propensos para tais coisas pouco a pouco deram origem à
poesia, procedendo desde os mais toscos improvisos.
16. A poesia tomou diferentes formas, segundo a diversa índole particular
[dos poetas]. Os de mais alto ânimo imitam as ações nobres e das mais nobres
personagens; e os de mais baixas inclinações voltaram-se para as ações ignóbeis,
compondo, estes, vitupérios, e aqueles, hinos e encômios. Não podemos, é certo,
citar poemas deste gênero, dos [poetas que viveram] antes de Homero, se bem que,
verossimilmente, muitos tenham existido; mas, a começar em Homero, temos o
Margites e outros poemas semelhantes, nos quais, por mais apto, se introduziu o
metro jâmbico (que ainda hoje assim se denomina porque nesse metro se
injuriavam [iámbizon]). De modo que, entre os antigos, uns foram poetas em verso
heróico, outros o foram em verso jâmbico.
17. Mas Homero, tal como foi supremo poeta no gênero sério, pois se
distingue não só pela excelência como pela feição dramática das suas imitações,
assim também foi o primeiro que traçou as linhas fundamentais da comédia,
dramatizando, não o vitupério, mas o ridículo. Na verdade, o Margites tem a mesma
analogia com a comédia que têm a Ilíada e a Odisséia com a tragédia.
18. Vindas à luz a tragédia e a comédia, os poetas, conforme a própria índole
os atraía para este ou aquele gênero de poesia, uns, em vez de jambos, escreveram
comédias, outros, em lugar de epopéias, compuseram tragédias, por serem estas
últimas formas mais estimáveis do que as primeiras.
19. Examinar, depois, se nas formas trágicas [a poesia austera] atinge ou não
atinge a perfeição [do gênero], quer a consideremos em si mesma, quer no que
respeita ao espetáculo — isso seria outra questão.
20. Mas, nascida de um princípio improvisado (tanto a tragédia, como a
comédia: a tragédia, dos solistas do ditirambo; a comédia, dos solistas dos cantos
fálicos, composições estas ainda hoje estimadas em muitas das nossas cidades), [a
tragédia] pouco a pouco foi evoluindo, à medida que se desenvolvia tudo quanto
nela se manifestava; até que, passadas muitas transformações, a tragédia se deteve,
logo que atingiu a sua forma natural. Esquilo foi o primeiro que elevou de um a
dois o número dos atores, diminuiu a importância do coro e fez do diálogo
protagonista. Sófocles introduziu três atores e a cenografia. Quanto à grandeza,
tarde adquiriu [a tragédia] o seu alto estilo: [só quando se afastou] dos argumentos
breves e da elocução grotesca, [isto é,] do [elemento] satírico. Quanto ao metro,
substituiu o tetrâmetro [trocaico] pelo [trímetro] jâmbico. Com efeito, os poetas
usaram primeiro o tetrâmetro porque as suas composições eram satíricas e mais
afins à dança; mas, quando se desenvolveu o diálogo, o engenho natural logo
encontrou o metro adequado; pois o jambo é o metro que mais se conforma ao
ritmo natural da linguagem corrente: demonstra-o o fato de muitas vezes
proferirmos jambos na conversação, e só raramente hexâmetros, quando nos
elevamos acima do tom comum.
21. Quanto ao número de episódios e outros ornamentos que se haja
acrescentado a cada parte, consideremos o assunto tratado; muito laborioso seria
discorrer sobre tudo isso em pormenor.