sábado, 26 de novembro de 2016




A epistemologia de Permênides

O desvelar do fazer filosóficoParmênides foi um filósofo épico filho de Piros e nascido em Eléia, atual Vélia na Itália Meredional, mas, sobre seu nascimento e idade ainda pairam muitas dúvidas. Para Diógenes de Laércio sua akmé situa-se na 64ª Olimpíada, entre 504 e 500 a. C.. Entretanto, Platão diz que o velho Parmênides, com 65 anos, teria encontrado o jovem Sócrates que em 500 a.C., com 70 anos, seria condenado a morte. Portanto, é provável que o encontro possa ter ocorrido entre 451 e 449 a.C., gerando, com isso, uma divergência de datas. Pela data de Diógenes, o Filósofo, teria 80, e não os 65 dito por Platão, mas se considerarmos que sua akmé deve ter ocorrido em 535 a. C., é possível aceitar o relato platônico. Aceitando o cálculo de Platão para a idade do Eleata, cairia por terra a opinião de que Parmênides teria sido discípulo de Xenófanes. Não excluindo a possibilidade de que ambos, em idade avançada, tenham se encontrado, mas rechaça as dúvidas sobre a origem da “Escola Eleática”. 

De seu poema intitulado "Sobre a Natureza", sobreviveu apenas fragmentos retirados de obras de outros autores. O texto é dividido em duas partes: primeiro, o caminho para encontrar A Deusa e, posteriormente, sua própria fala. Embora escreva em versos, hexâmetro dactílico, é clara a filosoficidade da obra e para aqueles que a questionem, vale lembrar que Platão transformou o diálogo, antes uma simples e comum forma de comunicação em um poderoso meio de transmissão de ideias inquestionavelmente filosóficas. Encontra-se em Parmênides o primeiro registro de um programa para o "Saber", ou seja, a criação de caminhos, métodos, para descobrir a verdade. Neste programa apresentado pela Deusa, alcançada por intermédio da Justiça, há três caminhos, dois praticáveis e opostos e um inteiramente insondável aos mortais. Os primeiros caminhos são o da Alethéia (Verdade/Desvelar), no qual encontra-se a verdade imutável, e da Doxá (Opinião), isto é, as opiniões onde "mortais que nada sabem forjam, bicéfalos"(SANTORO,2011). Já o caminho insondável seria a busca pelo o que não é. Com isso, ao contrapor um percurso que leva ao desvelar da verdade a um com falsas opiniões e sem fé verdadeira, fica-se norteado a forma de pensar e conhecer. Assim sendo, estão lançadas as ideias que servem até hoje como base para boa parte da episteme ocidental e que em Aristóteles alcançariam sua maturidade. 

Os caminhos apreensíveis são baseados no reconhecimento da Necessidade do que existe e na impossibilidade de sua inexistência, consequentemente da negação das mudanças. No roteiro é proposto ao "iluminado" que se instrua "tanto do intrépido coração da Verdade persuasiva quanto das opiniões de mortais em que não há fé verdadeira”(SANTORO,2011). Não basta saber como alcançar a verdade, é imprescindível ser capaz de reconhecer a falsidade. A opinião dos mortais consiste em não reconhecer a impossibilidade de galgar o caminho do não-Ser, causando uma grande confusão. Por isso, um questionamento válido é um dos motivos que levam a ininteligibilidade do caminho do não-Ser, e para respondê-lo precisamos antes compreender as propostas acerca do Ser e não-Ser. Vê-se presente, embora talvez de forma insipiente, nos fragmentos abaixo a explanação de três conceitos canônicos para o "bom pensar": o princípio da não contradição, da identidade e da ontologia. 

Fragmento 2
 1 Pois bem, agora vou eu falar, e tu, prestes atenção ouvindo a palavra
 2 acerca das únicas vias de questionamento que são a pensar:
 3 uma, para o que é e, como tal, não é para não ser, 
 4 é o caminho de persuasão — pois segue pela Verdade —,
 5 outra, para o que não é e, como tal, é preciso não ser,
 6 esta via afirmo-te que é uma trilha inteiramente insondável;
 7 pois nem ao menos se conheceria o não ente, pois não é realizável, 
 8 nem tampouco se diria:

 Fragmento 3 
 ...pois o mesmo é a pensar e a ser.

 Fragmento 8 […]
 11 Assim, ou é necessário existir totalmente ou de modo algum.
 12 Tampouco que do ente, nunca força de Fé permitirá
 13 surgir algo para além do mesmo; por isso Justiça nem vir a ser
 14 nem sucumbir deixa, afrouxando amarras,
 15 mas mantém; a decisão sobre tais está nisto:
 16 é ou não é. Mas já está decidido, por Necessidade, […]
 (SANTORO, 2011, p. 105; 111)

Assim, está dado o princípio da identidade, o Ser é o Ser, o da não contradição, se o Ser é seu contrário obrigatoriamente não é, e a Ontologia, os questionamentos sobre o Ser. Podemos com isso inferir, segundo o fragmento 8, que o que pode ser pensado e dito deve existir necessariamente e que o que não pode ser pensado nem dito não pode existir, ou seja, o Ser é e o não-Ser não é. Além disso, fica subentendido uma visão monista-idealista da existência, na qual a divisão entre a realidade concreta e o pensamento abstrato é inexistente. Logo, para que possamos dizer que algo É devemos ser capazes de criá-lo em nossa mente, de forma que nem tudo o que pensamos é passível de comprovação empírica, mas tudo que experienciamos obrigatoriamente tem que poder ser idealizado. 

Dada a impossibilidade de termos a experiência sensível do Nada, por motivos óbvios, e também de pensá-lo, pois se o pensarmos ele deixaria de não-Ser e se tornaria um Ser que existe no pensamento, então é completamente impossível conhecermos qualquer informação do não-Ser. A partir do momento em que é criado seu monismo idealista, no qual é preciso abandonar as experiências sensíveis para poder desvelar a verdade, a realidade única e imutável é uma saída necessária. Se explicamos a realidade a partir das experiências sensíveis e, levando em consideração que o mundo sensível é constantemente alterado, teremos como consequência uma realidade mutável, onde o Ser não é, mas está sendo. Para Heráclito uma ideia plausível, para Parmênides uma loucura da multidão. Pois o Ser é e o não-Ser não é, justamente esse "devaneio" compartilhado é onde reside o caminho da Doxá, isto é, o caminho dos mortais de duas cabeças que creêm na mutabilidade da realidade. Essa crença mistura o Ser e o não-Ser, o que de acordo com o fragmento 8 é algo absurdo, pois tudo que há É ou não-É. 

O Ser só existe de forma plena, completa, negando assim as transformações. É importante frisar que o Poeta não nega a captação por meio dos sentidos das transformações nos seres, mas sim nos mostra o quão absurda ela é à luz da razão. Dessa forma, o quão falho são esses sentidos que nos fazem acreditar em mentiras, já que a mudança não passa de ilusão, uma crença sem fé verdadeira. Mas afinal, o que é a mudança? O que é o Devir? Mudança, é quando um Ser deixou de Ser o que era, mas ainda não se tornou o que virá a ser, e o devir, a noção de Presente, o vir a ser é exatamente isso, uma ruptura no Ser. Uma aberração lógica que fere seus recém descobertos princípios de identidade e de não contradição. Um átimo que há a conjunção do Ser e do não-Ser, jamais poderia ser aceito pelo, segundo Nietzsche, Filósofo feito de gelo. 

Resta agora a via da Alethéia que, segundo o autor, é a via em que será desvelado a verdade imutável. Que verdade seria esta? Ora, nada mais que o reconhecimento da sentença "O Ser é e o não-Ser não é". Em outras palavras, a verdade consiste em reconhecer a Unidade e Imutabilidade da realidade, ou seja, que a realidade É e não um simples vir a ser. O respeito a seus princípios de identidade e não contradição vem como consequência necessária da plena apreensão de seu "axioma". Independentemente da validade lógica ou substantiva da teoria de Parmênides, a coerência de seus argumentos é perfeita. Por isso torna-se um real opositor à "Teoria de conhecimento" proposta por Heráclito, fazendo com que boa parte da discussão filosófica grega seja uma tentativa de escapar da ideia de Heráclito e do monismo parmenidiano. A grande importância dos Filósofos Épicos e Trágicos consiste nem tanto em suas respostas e explicações – embora pouco ou nenhum avanço filosófico tenha havido de seu tempo até hoje, e que com certeza não sejamos mais sábios que Parmênides, Sócrates ou Aristóteles –, mas em seu grande poder criador, de originadores da filosofia, e nos questionamentos, ao proporem questões que até hoje carecem de uma resposta definitiva.


(Trabalho em grupo da disciplina Filosofia Antiga 1, do Professor Fernando Santoro, feito pelos alunos Jefferson Lopes, Daniel Abreu, Aline Mota, Joyce Brandão, Jonathan e Suelen)